Miguel Enríquez e o desafío das novas geraçons
Néstor Kohan
A família revolucionária.
A Nossa América vive um tempo novo. O regime chileno, metade neoliberal, metade pinochetista, rangea. A resistência cresce. E toda resistência afortala-se e consolida-se na medida em que apreende da sua própria história. Nada melhor, entom, que recuperar ensinanças para os tempos porvir.
Miguel Enríquez [1944–1974], como tantos outros militantes da Nossa América, constitui umha das principais fontes de inspiraçom para as novas rebeldias. Filho político do Che Guevara e, por isso mesmo, irmao dos nossos Mario Roberto Santucho, John William Cooke, Alicia Eguren e Daniel Hopen; Miguel pertence a essa gloriosa família continental que também integram Luis Emilio Recabarren, José Carlos Mariátegui, Julio Antonio Mella, Farabundo Martí, Fidel Castro, Carlos Fonseca, Roque Dalton, Carlos Marighella, Fabricio Ojeda, Silvio Frondizi, Rodolfo Walsh, Turcios Lima, Inti Peredo, Tamara Bunke, Raúl Sendic, Camilo Torres, Raúl Pellegrín e Cecilia Magni, entre muitíssimos mais.
Que a lembrança da sua queda sirva nom só para rememorá-lo com carinho e orgulho no seu querido país -hoje em plena ebuliçom popular, após meio século de neoliberalismo- mas também para apreender dele, do seu pensamento, do seu exemplo e da sua luita em toda a Nossa América e o mundo.
Um jovem rebelde que intervem sem solicitar autorizaçom.
Miguel viviu a luita revolucionária do seu povo como um jovem rebelde. Nom só por a sua curta idade mas além pola sua mente aberta, o seu anti-imperialismo visceral e o seu desafio das hierarquias estabelecidas.
A sua vida política juvenil foi meteórica. Viviu jovem e, lamentavelmente, morreu jovem. Apenas tinha cumprido os 30 (trinta) anos quando a muerte em combate o encontrou dignamente onde tinha que estar. Do lado do povo, de cara ao inimigo, confrontando a ditadura contrainsurgente do general Pinochet, quem inaugurou —Milton Friedmann mediante— o neoliberalismo a escala mundial. Inclusive antes que a Inglaterra de Margaret Thatcher e os Estados Unidos de Ronald Reagan.
Sim, Miguel tinha apenas trinta anos! Parece mentira. Nom esqueçamos que Julio Antonio Mella, o fundador do primeiro partido comunista cubano, foi assassinado no seu exílio mexicano quando apenas tinha 25 anos. E pensar que já a essa idade tinha desenvolvido todo um pensamiento teórico própio e umha açom política encaminhada a concretizá-lo.
Deveriam té-lo em conta alguns ex-revolucionários, arrependidos ou quebrados, cansados de luitar e de confrontar, que apelando ao seu prestígio do passado hoje pregam-se ao poder subestimando com soberba às novas geraçons de militantes rebeldes que no Cono Sur da Nossa América e em outras latitudes se estám formando com o objetivo de sementar a semente de umha nova e futura onda revolucionária. Esses mesmos que, tam afastados da humildade de Miguel Enríquez e de Robi Santucho, de Fidel e o Che, de Sendic e Marighella, em lugar de acompanhar as novas geraçons na recuperaçom da tradiçom revolucionária “esquecida”, de alentá-las na rebeliom contra o sistema imperialista e no rejeitamento das suas múltiplas estratégias contrainsurgentes —as “duras” e as “brandas”— , de transmitir-lhes a experiência do passado — inclusive se foi derrotada— , estám mais preocupados por lustrar o seu próprio ego e exaltar o seu própio umbigo.
A tarefa urgente dos nossos dias presupom reverter o que o genocídio das ditaduras militares —e as metafísicas “post” que as sucedérom durante as décadas subseguintes no campo das formaçons ideológico-políticas— tentárom implementar: o esquecimento sistemático das insurgências e a “deconstruçom” de identidades anti-imperialistas e anticapitalistas nos movimentos juvenis do continente. Se a inícios do século XX ser de vanguarda implicava romper com todo passado e toda tradiçom, atualmente, no século XXI, após do genocídio e as metafísicas “post” postestruturalismo, pós-modernismo, pós-marxismo, estudos pós-coloniais, etc., nom há nada que seja políticamente mais urgente e radical que recuperar a tradiçom revolucionária esquecida e superar o vazio artificialmente induzido entre aquela geraçom de Miguel Enríquez e a atual.
No ano no que se funda o Movimento de Esquerda Revolucionária-MIR do Chile, Miguel Enríquez tinha 21 anos. Quando se converte no seu secretário geral contava com 23. O seu irmao argentino, Mario Roberto [“Robi”, “o negro”] Santucho, tinha 29 anos quando se funda o Partido Revolucionário dos Trabalhadores-PRT e apenas chegava a 40 quando morre a maos do Exército argentino. Ernesto Guevara nem sequer tinha cumprido os 40 quando foi assassinado, desarmado e a sangue frio, polo Exército boliviano sob ordens da CIA em La Higuera, Bolívia.
Toda umha geraçom latino-americana de jovens que nom solicitárom autorizaçom para pensar, para questionar, para falar, para estudar, para militar e agir, para amar. Há que apreender do seu exemplo …
Se a inícios do século XX ser de vanguarda implicava romper com todo passado e toda tradiçom, atualmente, no século XXI, após do genocídio e as metafísicas “post” postestruturalismo, pós-modernismo, pós-marxismo, estudos pós-coloniais, etc.- , nom há nada que seja políticamente mais urgente e radical que recuperar a tradiçom revolucionária esquecida.
O duplo desafio (de Lenine e Gramsci em chave latinoamericana).
A prática política do MIR e de Miguel Enríquez situárom no centro do debate a dupla tarefa que os movimentos revolucionários tenhem por diante se pretendem lograr eficácia no seu acionar contra o imperialismo capitalista como sistema mundial: criar, construir e desenvolver a independência política de classe e, ao mesmo tiempo, a hegemonia socialista.
Na historia latinoamericana, quem só pugérom o esforço na criaçom e consolidaçom da independência política de classe, muitas vezes ficárom isolados e fechados na sua própria organizaçom. Gerárom grupos aguerridos e combativos, militantes e abnegados, mas que nom poucas vezes caírom no setarismo —no melhor dos casos, quando nom, no burocratismo—. Umha doença recurrente e endémica por estas terras do Cono Sul.
Quem, em vez disso, privilegiárom exclusivamente a construçom de amplíssimas alianças políticas e figérom um fetiche da unidade e “o diálogo” a toda custa, com qualquer e sem conteúdo preciso, soslaiando ou subestimando a independência política de classe e sobre todo o anti-imperialismo, finalizárom convirténdo-se no vagom de cola da burguesia e o empresariado, quando nom fôrom diretamente cooptados por algumha das múltiplas instituiçons do impêrio.
Umha das grandes ensinanças políticas de Miguel Enríquez e de todos aqueles e aquelas que entregárom a sua vida polo sonho mais nobre de todos os que podamos imaginar, a criaçom do socialismo, é que há que combinar ambas tarefas. Nom excluí-las senom articulá-las em forma complementar e fazé-lo de modo dialético, se se nos permite o termo —que tem sido escoriado e denostado a rabiar polas metafísicas “post” e inclusive polos neokantianos que em nome da Ilustraçom nos convidam a resucitar o reformismo oxidado do avô Eduard Bernstein e o seu neto vergonzante, o eurocomunismo.
É dizer, que o nosso maior desafio consiste em ser o suficientemente claros, intransigentes e precisos como para nom deixar-nos arrastar polos distintos projetos imperialistas e mercantis em dança —sejam neofascistas ou se disfarcem de “tolerantes” e “progressistas”— mas, ao mesmo tiempo, ter a suficiente elasticidade de reflexos como para ir quebrando o bloco geopolítico de poder de capital e as suas alianças, enquanto vamos construíndo o nosso próprio espaço de poder, anti-imperialista e anticapitalista.
Ao interior de cada sociedade e cada país mas apontando face umha perspetiva integradora, de escala e alcance continental. E isso nom se logra sem construir alianças contrahegemónicas com as diversas fraçons de classes exploradas, povos oprimidos e movimentos antisistémicos, articulando num horizonte comum o arcoiris multicolor junto à bandeira vermelha, símbolo do projeto mais radical que a humanidade tem podido criar até o momento.
Nom pode haver na Nossa América nem exercício real da democracia substantiva, nem autodeterminaçom nacional e soberana nem socialismo autêntico que nom se formulem ao mesmo tempo a resistência e a luita anti-imperialistas.
Nom confiar no imperialismo «mas… nem um tantinho assim».
Miguel Enríquez e os seus companheiros e companheiras também contribuírom a esclarecer a necessária e íntima imbricaçom entre as luitas populares dos movimentos sociais latinoamericanos —desde as reivindicaçons mais elementares que latem nas populaçons, vilas miséria, favelas e “cantegriles” até as mais elevadas como a luita continental polo socialismo— com a questom do anti-imperialismo.
Nom pode haver na Nossa América nem exercício real da democracia substantiva —baseada na participaçom direta do povo na adoçom das grandes decisons nacionais, a gestom comunal e o sistema orçamental de financiamento—, nem autodeterminaçom nacional e soberana nem socialismo autêntico que nom se formulem ao mesmo tempo a resistência e a luita anti-imperialistas. Nom som “etapas” rígidas e diferentes nem aspectos cindíveis da vida política. Constituem fases de um mesmo processo de luita.
Esse pensamento tam caraterístico de Miguel Enríquez tambén resulta alecionador e goza de abrumadora atualidade para os debates teóricos e políticos contemporáneos. Tanto frente a quem reduzem as luitas latinoamericanas atuais unicamente à contradiçom entre imperialismo e naçom —negando qualquer outro tipo de contradiçons no meio— como frente a quem, no pólo oposto, pretendem enterrar por decreto filosófico pós-moderno a existência da dependência, do imperialismo e da sua dominaçom guerreirista e genocida.
Um bom exemplo da primeira posiçom a constituem aquelas correntes que apoiam o atual processo de luita e resistência anti-imperialista da Venezuela bolivariana, mas tratando por todos os meios de frear e moderar até o límite dito processo, de “aconselhar”, primeiro a Hugo Chávez e logo o presidente Nicolás Maduro, que o melhor seria de aqui em adiante optar pola estratégia dumha suposta “terceira via” —nem capitalismo neoliberal nem tampouco socialismo—. Como o termo específico “terceira via”, popularizado polo sociólogo británico Anthony Giddens no seu livro de 1999 A terceira via. A renovaçom da social-democracia caiu já em descrédito, utilizam-se outras denominaçons e rótulos, mas com idéntico conteúdo. Cabe clarificar que Giddens nom inventou nada, só um nome, mas o conteúdo da sua proposta e o seu “programa” tem como mínimo um século de existência.
Um exemplo sumamente expressivo de outro polo da equaçom é constituído por aqueles que, seducidos pola promoçom mediática de livros como Imperio (2000) de Negri e Hardt —e outros autores menos difundidos como os anglosajons Bill Warren, Nigel Harris e John Weeks—, acreditam ilusoriamente que hoje as identidades nacionais, as bandeiras históricas e as tarefas anti-imperialistas acham-se caducas, tornarom-se inservíveis e estám démodé pois pertenceriam ao museu arqueológico dos dinosauros da esquerda tercermundista. Supostamente hoje habitaríamos um mundo “pós-colonial”, plano e homogéneo, onde todos os estados-naçons seriam equivalentes, em tanto “narrativas” ficionais baseadas no “mito da origem”. -Curiosamente nengumha bandeira nacional teria vigência, com exceçom da estadounidense das barras e as estrelas, que nos filmes de Hollywood —consumidas, segundo Fredric Jameson, polo 90% do público mundial— aparecem até na sopa.
Longe de ter ficado aprisionado nas páginas amareladas dumha antiga enciclopédia ou um livro velho de história, o pensamento político de Miguel Enríquez ensina-nos, nom só às irmás e irmaos chilenos senom a todas e todos os latinoamericanos, que nom haverá “democracia radical” nem democracia substantiva, nem socialismo nem autodeterminaçom nacional duradeira senom se luita e confronta ao mesmo tempo contra o imperialismo nas suas mútiplas caras e caretas. Este último segue existindo, está vivinho e “coleando” a pesar da sua crise sistémica multidimensional e o seu ocaso crepuscular, e cada dia, mai alá da frivolidade da literatura pós-moderna e pós-estruturalista à moda, volta-se mais agressivo e guerreirista que nunca antes na história.
O recente ataque ao Capitólio em Washington e as escandalosas eleiçons estado-unidenses nom som umha simples anédota a “cor” dumha telenovela das três da tarde senom o síntoma dumha crise medular extremadamente profunda.
Burguesias progressistas? Capitalismos nacionais?
Miguel Enríquez, seguindo fielmente as ensinanças do Che, sempre desacreditou do “progressismo” discursivo das burguesias vernáculas e da sua suposta capacidade para confrontar realmente o imperialismo. Ele tinha chegado à conclusom, como muitos dos companheiros e companheiras da sua geraçom, que as burguesias autótonas da Nossa América som parte funcional da engranagem mundial de dominaçom, ainda quando utilicem os fogos de artifício verbais, pseudo nacionalistas e pseudo democráticos, para institucionalizar os protestos e neutralizar toda rebeliom radical.
Confrontando ideologicamente a quem se propunham tecer alianças com a burguesia “nacional” e as suas expressons institucionais, Miguel acreditava que os sujeitos das transformaçons sociais latinoamericanas pendentes nom podiam nem deviam ser os “empresários bons”, aqueles que producem, por oposiçom aos “empresários maos”, os que especulam. Nom há capitalismo bom e capitalismo mao, capitalismo com rosto humano e capitalismo com cara monstruosa. Há capitalismo. Há imperialismo. Ambos som partes de um sistema mundial, pragado de assimetrias e dependencias, superexploraçom, desenvolvimento e intercámbio desigual, geopolíticas de guerra e opressom da grande maioria da humanidade por um punhado restringido de empresas, protegidas por estados imperialistas -para quem acredite que as linhas precedentes constituem umha descriçom “romántica” de nostálgia esquerdista, completamente desatualizada, sugerimos consultar o livro de 2016 do marxista británico John Smith: Imperialism in the Twenty-First Century. Globalization, Super-Exploitation, and Capitalism’s Final Crisis [O imperialismo no século XXI: globalizaçom, superexploraçom e crise final do capitalismo. 2016, Nova Iorque, Monthly Review Press. Pode se descarregado grátis em inglés da web].
Na sua época, Miguel Enríquez sabia-o perfeitamente. Nunca se confundiu.
Polemizando com quem promoviam um processo rígido de etapas separadas para as transformaçons sociais chilenas e latinoamericanas, Miguel Enriquez sostinha que a luita polo socialismo nom podia ficar relegada para um futuro e afastado “mais alá”… inescrutável e difuso, como o famoso “dever ser” kantiano.
Embora o socialismo nom pode criar-se por decreto e de forma repentina, nem fabricar-se segundo o capricho e o mero arbítrio incondicionado, quando a cada quem lhe dé a gana, tampouco deveria ser reemprazado unicamente pola “Democracia” — assim, a secas e em maiúsculas, sem história, tempo nem lugar, sem determinaçons sociais específicas nem conteúdos de classe, nem por “A República”— igualmente com maiúsculas e em abstrato, como o título de aquele velho e clássico livro de Platom, por mais que se tente engordá-la atribuindo-lhe direitos sociais e conquistas pontoais que na história terrenal e mundana os diversos republicanismos mais ben negárom-. Formulaçons que muitas vezes se apresentam como “novidades” no colorido mercado das ideologias mas som tam velhas como o eurocomunismo — por nom ir mais atrás!.
Para quem acredite que os párrafos anteriores “lhes fam dizer” ao MIR chileno algo que os miristas jamais pensárom nem tivérom elaborado, sugerimos consultar as críticas ao eurocomunismo formuladas poucos anos depois -em 1979- por Ruy Mauro Marini, membro orgánico do Comité Central do MIR chileno, máximo pensador da teoria marxista da dependência e um dos principais teóricos que acompanhou desde a cidade chilena de Concepción a Miguel Enríquez nos anos do seu apogeu revolucionário.
Eurocomunismo
Para Miguel Enríquez e a corrente coletiva de pensamento político da que ele se nutriu e pola qual deu a sua vida, a luita polo processo de democratizaçom das relaçons sociais é inseparável da luita polo poder revolucionário e o socialismo. Dimensons diferentes mas jamais separáveis. Todas elas, ademais, inescindíveis do confronto anti-imperialista.
Quem pretenda obviar ou deixar de lado a lucha anti-imperialista, jamais nos traerá mais democracia nem nos permitirá avançar face o socialismo. Mais bem todo o contrário. Terminaremos submetidos, humilhadas e colonizados, tanto no social, como no nacional e cultural.
Com o coraçom e as entranhas em Cuba e a cabeça no próprio país
Miguel Enríquez, como muitos outros e outras integrantes dessa família revolucionária continental que mencionamos no início, também nos deixou umha leitura criadora, inteligente e antidogmática da Revoluçom Cubana. Amava Cuba —tanto como nós— e visitou numerosas vezes a ilha rebelde que ainda hoje desafia Goliat. Por isso mesmo, negou-se a transformar a adesom ao processo de luita e resistência continental aberto pola Revoluçom Cubana numha fórmula cristalizada. Nada mais alheio ao pensamento político de Fidel, do Che e da direçom da Revoluçom Cubana que um dogma cousificado.
Ao mesmo tempo o MIR, sob liderato de Miguel, soubo combinar a defesa intransigente da herdança insubmissa de Fidel e o Che cumha política específica para o próprio país, que tivesse em conta a dinámica que assome a luita de classes interna e a batalha anti-imperialista na própria sociedade.
Miguel Enríquez e os seus companheiros e companheiras fôrom entusiastas na defesa internacionalista a ultrança do socialismo. Jamais se deixárom arrastar, mas nem por um só segundo, polo anticomunismo disfarçado de … “progressismo”. Tinham a bússola bem posta e no seu lugar.
Desde esse ángulo e essa ótica, marcárom serias distáncias frente aos regimes do chamado “socialismo real” do Leste europeu. Um bom exemplo disto pode corroborar-se lendo a declaraçom que o MIR publica rejeitando em 1968 a invasom soviética a Checoslováquia.
A solidariedade internacionalista nom podia ser motivo para apoiar posiçons sumamente questionáveis que, a longo prazo, gerárom um descrédito enorme para a própria Uniom Soviética —porém, desde hoje em dia podemos agregar que a sua vez as posiçons checoslovacas completamente a favor do Mercado, promovidas em nome da “Democracia” e “o socialismo com rosto humano”, precursoras da Perestroika gorbachoviana, tampouco eram nengumha alternativa para os nossos povos.
A melhor maneira de defender Cuba e a sua fermosa revoluçom frente o imperialismo é … luitando contra o imperialismo e pola revoluçom em cada país em todo o mundo.
Amava Cuba. Por isso mesmo, negou-se a transformar a adesom ao processo de luita e resistência continental aberto pola Revoluçom Cubana numha fórmula cristalizada.
Porque caiu o companheiro Salvador Allende?
“Eu nom me movo de aqui [Palácio de La Moneda,
dia do golpe de estado], cumprirei até a minha morte
a responsabilidade de presidente que o povo me
tem entregue. Agora é o teu turno Miguel…”.
Salvador Allende
(Testemunha da sua filha Beatriz Allende)
Um dos elementos mais polémicos e discutidos que tenhem rodeado o nome do MIR e de Miguel Enríquez tem que ver com o derrocamento de Allende.
Miguel Enríquez explicava pacientemente que a queda do companheiro Salvador Allende —ambos tinham-se um profundo e merecido respeito pessoal— nom foi obra dos supostos “extremos”. Ou, para dizé-lo na típica linguagem da direita argentina, “dos demos”. Por um lado, o demo da extrema direita autoritária: Pinochet e as suas Forças Armadas, comandados polos Estados Unidos. Polo outro, o demo da extrema esquerda, impaciente e infantil: o MIR, os cordons operários industriais, as tomadas de terras, etc.
Nom! Rotundamente: Nom! Essa lenda que alguns segmentos da esquerda europeia se encarregárom interessadamente de propagandizar —para assim legitimar o “compromisso histórico”, por exemplo na Itália, com a Democracia Cristá e o eurocomunismo, como corrente com maiores pretensons ainda— nom era realista.
As forças revolucionárias que empurram e atuam para aprofundar os processos populares nom som a causa da repressom ou das derrotas quando elas acontecem. Miguel Enríquez, como o Che Guevara, nom se cansava de repetí-lo: as transformaçons que nom avançam, retrocedem e caem. A Revoluçom Cubana passou à história porque elegeu o caminho invês da claudicaçom. Quando em Cuba a direita presionava e o imperialismo se endurecia, Fidel Castro apertou o acelerador. Hoje a Venezuela bolivariana acha-se perante similar disjuntiva histórica e nm mui diferente é o dilema da Bolívia indígena, operária e popular. Errónea leitura realizam aqueles que querem extrair como corolário da Venezuela e a Bolívia a peregrina ideia de que se deve recurrir a um terceiro caminho intermédio entre o neoliberalismo e umha perspetiva anti-imperialista de socialismo.
Miguel Enríquez formulava, umha e outra vez, que a verdadeira força do governo de Allende, radicava no poder autónomo da classe operária e o povo pobre. Grave equivocaçom —trágica, sangrenta, inclusive para os mesmos que a propiciavam— a de acreditar que cedendo terreno aos militares chilenos, inclusive incorporando-os ao gabinete da Unidade Popular, se ia deter o golpe. Hoje já todo está claro. Mas Miguel Enríquez e a sua corrente formulárom-no naquela época, enquanto estava sucedendo. E o próprio Fidel Castro, o fazer o balanço, coincidiu completamente.
Podem consultar-se a Carta de Fidel Castro a Salvador Allende de 29/7/1973, enviada a Chile um mês e meio antes do golpe de Estado do general Pinochet e a CIA; assim como também o discurso-balanço de Fidel Castro sobre o sucedido no Chile, tam só duas semanas depois do golpe de Estado, de 28/9/1973.
Errónea leitura realizam aqueles que querem extrair como corolário da Venezuela e a Bolívia a peregrina ideia de que se deve recurrir a um terceiro caminho intermédio entre o neoliberalismo e umha perspetiva anti-imperialista de socialismo.
Cabe clarificar que quando Miguel Enríquez falava de “poder autónomo” nom queria dizer poder contra Allende, todo o contrário. Poder autónomo significava poder independente do Estado burguês e as suas instituiçons políticas de dominaçom “democrática” e “republicana”.
Mudar o mundo sem poder revolucionário?
Ao longo da sua curta e intensa vida política Miguel Enríquez sempre destacou em primeiro plano a questom do poder. Esse é o primeiro problema de toda revoluçom. Em tempos de Allende e na nossa época.
Quanta vigência tenhem hoje as suas reflexons! Sobre todo quando nalgumhas correntes do movimento de resistência mundial contra a globalizaçom capitalista tenhem calado as erróneas ideias de que “nom devemos formular-nos a tomada do poder”. Equívocas ideias que voltam instalar, com outra linguagem, com outra vestimenta, com outras citas prestigiosas de referência, a envelhecida e desgastada estratégia da “via pacífica ao socialismo” que tanta dor e tragédia lhe custou ao povo de Chile. Em primeiro lugar, ao heroico e entranhável companheiro Salvador Allende, honesto, generoso e leal propiciador de aquela estratégia, ainda sendo amigo persoal de Fidel e o Che.
Existe um fio de continuidade entre: (a) aquela doutrina soviética promocionada desde Moscovo a partir de 1956 da “transiçom pacífica ao socialismo” -nascida junto com a doutrina da “coexistência pacífica” com o imperialismo-; (b) a doutrina eurocomunista do “compromisso histórico” com o Estado burguês e as suas instituiçons que se inícia na Itália, França e no Estado espanhol a inícios dos anos ’70; (c) a estratégia do “caminho pacífico -sem tomar o poder- ao socialismo” experimentada no Chile entre 1970 e 1973; (d) a renúncia de alguns ensaistas autonomistas das últimas duas décadas a toda estratégia de poder que se escudam, sem representá-lo, em nome prestigioso do zapatismo mexicano —ou falam no seu nome… sem fazer-se cargo de que som formulaçons próprias, nom necessariamente representativas da prática política e o pensamento zapatista.
Entre (a), (b), (c) e (d) há matices notórios mas predominam os denominadores comuns. Porém, as suas diferenças específicas, as consequências políticas som convergentes.
Embora, se a comparamos com a tosca e rudimentar doutrina soviética de 1956 ou a endével doutrina institucional italiana dos ’70, nas últimas duas décadas essa velha doutrina apresenta-se numha bandeja teoricamente mais atrativa, de modo mais pulido e sedutor —carregada de enganosos termos libertários, por exemplo, ou apelando à indeterminaçom de umha gelatinosa “sociedade civil”, supostamente sem luita de classes no seu seio.
Nom incluimos nesta zaga, como quinta corrente, a orientaçom “perestroika” porque nunca chegou, sequer, a formular um pensamento sistemático próprio. Foi simplesmente umha capitulaçom em todos os terrenos, que nom reduziu um milímetro a burocrácia nem touxo mais democrácia nem mais socialismo, senom, simplesmente, a restauraçom brutal do capitalismo com toda a sua fereza. Por algo umha extremista neoliberal como Margaret Thatcher premiou e alabou até o paroxismo ao patético Gorvachov.
Equívocas ideias que voltam instalar, com outra linguagem, com outra vestimenta, com outras citas prestigiosas de referência, a envelhecida e desgastada estratégia da “via pacífica ao socialismo” que tanta dor e tragédia lhe custou ao povo de Chile. Em primeiro lugar, ao heroico e entranhável companheiro Salvador Allende.
Miguel Enríquez e as novas geraçons.
Voltar pois a resgatar a reflexom política de Miguel Enríquez sobre o problema do poder e a revoluçom, realizada nom desde um Estado burocrático envelhecido nem desde umha cómoda poltrona académica universitária, senom desde umha prática política vivida ao máximo de intensidade nos anos da grande esperança chilena, constitui um elemento de aprendizagem, insubstituível e imprescindível para as novas geraçons de militantes, do irmao povo do Chile e de toda a Nossa América.
Seguimos acreditando, sentindo e pensando que outro mundo é possível e necessário: o mundo socialista. Um mundo radicalmente distinto e antagónico ao sistema capitalista.
Um mundo polo que Miguel Enríquez, os seus companheiros e companheiras do MIR —nas suas múltiplas variantes—, assim como também os seus irmaos e irmás do Frente Patriótico Manuel Rodríguez -FPMR, em todas as suas tendências- e o conjunto da Resistência Mapuche tenhem dado e continuam entregando generosamente a sua vida.
24 de janeiro de 2021
Publicado en La Tizza: https://medium.com/la-tiza/miguel-enr%C3%ADquez-y-el-desaf%C3%ADo-de-las-nuevas-generaciones-95b9aeaacd72
O autor
Néstor Kohan
Bos Aires, 1967. Filósofo e militante marxista arxentino. Investigador do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) e profesor na Universidad de Buenos Aires (UBA). Autor, entre outros ensaios, de Ideario socialista: Marx, Einstein, Guevara, y otros(2003); Crítica y teoría en el pensamiento social latinoamericano(2006); e Tradición y cultura crítica en el marxismo argentino(2016).
Nota do tradutor
“Miguel Enríquez e o desafio das novas geraçons” é um elaborado apelo à necessidade de recuperar como referente continental as melhores experiências e tradiçons revolucionárias do Chile, da amnésia imposta polo inimigo e os reformismos, das manipulaçons das “esquerdinhas” eleitoralistas e timoratas. Mas Miguel Enríquez e o MIR também som exemplo e referente para a luita eficaz pola Revoluçom Socialista nesta naçom periférica do centro capitalista chamada Galiza. A reflexom de Néstor Kohan fornece insumos e ensinanças fulcrais. É de obrigada leitura para a juventude galega que se está incorporando ativamente à militáncia anticapitalista de libertaçom nacional, para as filhas e filhos políticas de Benigno Álvares e Moncho Reboiras. É um texto referencial para seguir armando teoricamente a geraçom que tem a responsabilidade, a obrigaçom e a necessidade histórica de contribuir à reconstruçom da esquerda revolucionária galega de direçom comunista, o que o autor do texto formula como “semente de umha nova e futura onda revolucionária”. Porque nós também luitamos para tomar o poder, e portanto para vencer.
[Traduçom ao galego de Carlos Morais]
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