A luita polo monte: reconquistando terreno ao fatalismo
Se a consciência aumenta, é porque a realidade se endurece.
Antom Santos | Lugo, 17 de xuño. De cada dous passos que dá um galego, um dá-o, se fixermos caso às cifras oficiais, sobre terreno calcinado. Ao longo das últimas quatro décadas, mais da metade do território nacional foi pasto das lapas. A desfeita ambiental consumada polo lume foi paralela a um processo doloroso de abandono acelerado das aldeias, monoculturas arvóreas, desestruturaçom do território e perda irreversível de um tesouro patrimonial que nos custa conceber em toda a sua dimensom. O que é igualmente importante, a reiteraçom da desfeita ao longo do país, com perfeita pontualidade, agravou eivas psicológicas tam incapacitantes como o fatalismo e a resignaçom. Ante umha renovada aposta dos poderes fácticos por um monte industrializado e blindado a qualquer aproveitamento dissidente, alternativas mais ou menos silenciosas ocupam posiçons. Sem grandiloquência, podemos dizer que boa parte do futuro da Galiza se livra nesta batalha arredada das urbes e dos grandes focos de interesse mediático.
De entre as múltiplas preocupaçons que aqueixam a vida de galegos e galegas, as vagas incendiárias e o empobrecimento florestal nom fôrom, com toda provabilidade, um dos desvelos principais. Com umha populaçom massivamente concentrada na conurbaçom que medra por volta da AP-9, e padecendo um distanciamento da natureza semelhante ao do resto de países do occidente opulento, a perda de fragas ou o esboroamento das aldeias nom tiravam o sono a muita gente. Algumha cousa, porém, começou a mudar há menos de dous anos.
Naquela tarde de pleno verao no Outubro de 2017 -outra jornada entre tantas de anomalia climática- um imenso teito amarelento cobria os céus das Rias Baixas; as lapas entravam em Vigo, e a vaga incendiária (como uns meses antes acontecera em Portugal) cobrava-se vidas humanas. Repetia-se, ainda com maior virulência e cercania à Galiza urbana, um cenário semelhante ao do verao de 2006, quando já quatro pessoas faleciam vítimas do lume, e umha grande porçom do território se consumia como umha enorme pira. Mas na altura, com o bipartido estreando-se no poder, a hipótese de novos usos agrários e da recuperaçom do rural estava acima das mesas dos gabinetes oficiais. Hoje, a elite direitista espanhola enquistada nas instituiçons nem contempla tal opçom. O florestalismo a ultrança -em forma de monocultivo- é um dogma predicado com a boca grande, e estruturado numha tríada perfeitamente coordinada: Junta da Galiza, empresas pasteiras-lobby de produtores florestais, e imprensa engordada a subvençons polo poder. Porém, e como acontece em jeiras de polarizaçom social e crescente incertidume, a resposta também se começa a fazer notar. “Estamos num pico histórico de conscienciaçom social no que diz respeito à nocividade do eucalipto e ao perigo dos lumes”, declarava o ambientalista Pedro Alonso há uns meses nas páginas deste jornal.
E é que se a consciência aumenta, é porque a realidade se endurece. Já em 2007, há mais dumha década, perto da metade dos incêndios florestais produziam-se fora da etapa estival, aquela na que as crises incendiárias adoitavam golpear com força desde a década de 70. Na actualidade, estamos afeitos a conviver com ventos saarianos em Outubro, súpetas viragens do clima que deixam nevaradas em Outono, ou dias de primavera em pleno Fevereiro. A última vaga incendiária colheu a Junta com o pé cambiado, com quase todo o entramado de luita contra os incêndios florestais desmobilizado no fim da temporada de Verao. A certeza de que a ameaça está mui perto, em forma de plantaçons-polvorim muito perto das vivendas, tem a ver com o ponto de inflexom. “E esperemos que nom tenhamos que assistir a catástrofes maiores para um acordar definitivo”, remarcava Alonso.
O florestalismo a ultrança -em forma de monocultivo- é um dogma predicado com a boca grande, e estruturado numha tríada perfeitamente coordinada: Junta da Galiza, empresas pasteiras-lobby de produtores florestais, e imprensa engordada a subvençons polo poder.
Umha perspectiva histórica
As crises incendiárias e o abandono do monte som o produto dum velho problema irresolto. E como todos os problemas irresoltos, patenteia umha atitude funesta que condiciona em muitas ordes o desenvolvimento da Galiza: a inibiçom continuada ante desafios colectivos. Se ignorar umha alerta, ou minimizá-la, pode ter a avantagem de permitir-nos viver um presente de acougo, também supom, por outra banda, permitir que o problema engorde no futuro até alcançar dimensons quase irresolúveis. A dessídia ante o destino do monte nom é muito distinta, no fundo, à dessídia ante a mudança climática ou o recuar da língua. Obedece aos mesmos mecanismos psicológicos e coloca-nos ante um reto que, sem exagero, está a piques de dirimir-se em termos de vida ou morte.
Desde que o franquismo decide a repovoaçom forçosa dos montes através da coacçom e os feitos consumados, valendo-se do Património Florestal Galego na década de 40, adentramo-nos na história da simplificaçom de usos e do começo do longo êxodo rural. A prioridade do Regime foi a criaçom dumha enorme massa madeirável para um sector fabril autosuficiente; mais umha vez, a Galiza dependente tinha o rol de fornecer as grandes unidades industriais operativas em Espanha (Papeleira Espanhola, Associaçom Patronal de Mineiros Asturianos) ou ainda em construçom (Sniace, Tafisa, e obviamente ENCE).
A usurpaçom do comunal, a proibiçom do pastoreio, das decruas, da sementeira de cereais, da recolha de lenha e tojo…acendeu um dos conflitos sociais mais desconhecidos da nossa posguerra. O historiador Eduardo Rico tem recriado os feitos na sua pesquisa: “os atingidos vírom-se na obriga de utilizar todas as formas de luita ao seu alcance, entre as que salientamos: incêndios, destruçom das plantas, destruçom dos apeiros e da infraestrutura (viveiros, casetas, cercas), introduçom de gado, coacçons sobre os peons. Isto levou a fortes enfrontamentos com os aparelhos do Estado com resultados trágicos e um alto custo para os labregos (multas, detençons, encarceramentos)”.
As origens do despovoamento e dos lumes acham-se numha desputa pola gestom e dos usos do território que, com o passo das décadas, se inclina mais e mais para os interesses industriais e do sector que lhe serve de base: umha produçom florestal autonomizada do resto da dinámica produtiva agrária. E ainda que o fenómeno dos lumes é enormemente complexo e multicausal -como reconhecem todas as investigaçons independentes- nom pode compreender-se sem a desordem territorial criada polo fim abrupto daquele velho sistema produtivo.
De maneira paralela à conversom dos nossos montes num deserto verde, também a consciência ambiental foi tomando forma: a partir do trabalho de base de grupos activistas, umha sensibilidade ecologista (mais bem superficial) foi-se infiltrando em capas da sociedade, para logo ir empapando o sector educativo, a grande mídia, ou mesmo o ámbito institucional. Precisamente nos primórdios dumha suposta consciência ecologista entre a casta política, coincidente com o Cúmio de Rio, o parlamentinho galego vivia umha das suas escassas jornadas de consenso. Foi em 1992, quando se aprovou por unanimidade um Plano Florestal que parecia reconhecer a plurifuncionalidade do monte e matizar o produtivismo hoje hegemónico. Foi também na década de 90 quando até mesmo o ambientalismo oficial, representado por Greenpeace, começou a chamar a atençom sobre o papel da Galiza nas más práticas florestais. Em 1994, a associaçom difundira um informe no que se revelava que o nosso país subministrara a todo o Estado a metade da madeira queimada para pastas e tabuleiro durante toda umha década.
Naquele contexto estabeleceu-se um estatuto específico para a protecçom das Fragas do Eume; o bosque autóctone começava a ter-se em conta, nem que for como um dos recursos turísticos exibidos pola autonomia nas suas prateleiras promocionais.
Mas na verdade, as cifras alumam umha realidade bem distinta que ratifica a falência das proclamas oficiais: em 1986, um lustro antes de se aprovar o Plano Florestal, a primeira espécie de crescimento rápido do país era o pinheiro; trinta anos depois, as massas puras de eucalipto quase igualam a superfície do pinheiro, e no total representam o 22 % da nossa superfície florestal. Enquanto a variedade nitens resistente às giadas coloniza os espaços ao leste da Dorsal Galega, a jóia da coroa do bosque atlántico peninsular sobrevive numha precariedade manifesta. Num estudo recente, o geógrafo da USC Diego Cidrás demonstrava que o terreno ocupado polo eucalipto nas fragas medrara um 20% desde 1998 (justo um ano depois da sua declaraçom como parque natural). Apesar de que a legislaçom reconhece que é na zona mais periférica do parque onde os proprietários privados podem plantar esta espécie foránea, e na que Cidrás chama zona 2, no cerne do bosque atlántico, na que mais terreno ganhou recentemente o eucalipto.
De maneira paralela à conversom dos nossos montes num deserto verde, também a consciência ambiental foi tomando forma: a partir do trabalho de base de grupos activistas, umha sensibilidade ecologista (mais bem superficial) foi-se infiltrando em capas da sociedade, para logo ir empapando o sector educativo, a grande mídia, ou mesmo o ámbito institucional.
Tensom e alternativas
Ainda no pior dos panoramas, a Galiza conserva umha herança histórica arcaica que fai de umha outra relaçom com o monte um programa realizável: a mao comum de origem germánica. Apenas no território autonómico (e sem dispormos de dados da Galiza oriental), sobrevivem 2800 comunidades de montes, que ainda gerem o 34% da propriedade florestal. A cultura rural tradicional, historicamente tensionada entre individualismo agrário e comunalismo, considerou com ambiguidade este espaço paroquial: “bem do comum, bem de nengum”, diz o nosso refraneiro. Mas certamente, sem o comum nom se pode conceber o velho complexo agrário galego, nem tampouco o colchom protector que as propriedades vizinhais supunham para as economias mais precárias do rural nos tempos da autosubsistência.
É justamente neste ámbito comunitário -alheio tanto à lógica da propriedade privada perfeita do capitalismo, como à da propriedade pública estatal- onde podem abrolhar alternativas com grande potência. Há quase um ano, umha importante mobilizaçom contra o novo Plano Florestal da Junta percorria o centro de Compostela. Era convocada precisamente pola Organizaçom Galega de Montes Vizinhais em Mao Comum e entidades ambientalistas, alarmadas pola pretensom explícita da Junta de passar a entidades privadas aqueles montes vizinhais “sem plano de gestom”. Da força deste movimento social dá prova da Iniciativa Legislativa Popular apresentada contra o novo plano florestal, e a prol dumha política florestal radicalmente diferente, nos finais de 2018. Mais de 40000 assinaturas fôrom ignoradas polo voto em contra do PP e a abstençom do PSOE, que de novo exercêrom a lógica do clássico bipartidismo espanhol, abrindo umha fenda entre as demandas da rua e a dinámica ensimesmada do parlamento.
Obviamente, a direita governante nom assume nem umha emenda parcial ao que considera umha política estratégica: sem consensos, conectada sem pudor com as exigências empresariais, e plenamente inserida no modelo de capitalismo periférico que Espanha e a UE adjudicam a Galiza também neste século que andamos. O plano explicita a vontade de aumentar ainda num 8% a superfície dedicada ao eucalipto. A cifra, que o governo autonómico reconheceu como apenas “umha estimaçom”, suporia a extensom da espécie por mais 25000 hectares nas duas vindouras décadas. Ainda, a previsom nom logrou contentar a indústria da madeira.
Coincidindo com a mobilizaçom e a controvérsia gerada polo plano, os grandes lobbies faziam ouvir a sua voz, utilizando a plataforma privilegiada dos meios empresariais: a Associaçom Florestal da Galiza e a Associaçom Sectorial Florestal Galega capitaneam a defesa pública do eucalipto, fazendo bandeira de umha gestom florestal como a que se dá na comarca da Marinha. Lá, umha das zonas de maior densidade eucalipteira e grande volume de facturaçom madeireira, “os incêndios som quase inexistentes”, manifestam os vozeiros do sector. Trata-se de mais umha numha longa série de argumentos contrários às teses do movimento popular, regularmente propagandeados, e nos que confluem corporaçons empresariais e certos ámbitos académicos.
Desde que um Comité Científico adjunto ao Ministério de Meio Ambiente incluiu o eucalipto na listagem de espécies invasoras, o contra-discurso ganhou em intensidade. “Queremos questionar essa má fama que injustamente está a ganhar o eucalipto”, afirmou Luis Alfonso Gil, catedrático em Silvopascicultura na Politécnica de Madrid. Para Gil, nom está provado cientificamente que eucalipto arda mais que as outras espécies, nem tampouco que a sua procura de auga seja maior; ainda acrescenta que o seu sotobosque “é mais rico que o do carvalho”.
O argumentário tenciona rebater ponto por ponto o exitoso relato que o movimento ecologista difundiu pacientemente nas últimas décadas. O feito de os grandes cabeçalhos abrirem o seu espaço à defesa académica do eucalipto demonstra a sua preocupaçom sobre o momento que vive a batalha das ideias: as teses favoráveis ao bosque autóctone extendêrom-se devagar, nomeadamente apoiadas na pedagogia activista e no trabalho voluntário.
A Associaçom Florestal da Galiza e a Associaçom Sectorial Florestal Galega capitaneam a defesa pública do eucalipto, fazendo bandeira de umha gestom florestal como a que se dá na comarca da Marinha. Lá, umha das zonas de maior densidade eucalipteira e grande volume de facturaçom madeireira, “os incêndios som quase inexistentes”, manifestam os vozeiros do sector.
Riqueza, memória, património
Um dos jornalistas devotados à apologia do eucalipto escreveu, com sinceridade reveladora, em que se baseava a defesa desta espécie: “as pessoas partidárias do eucalipto som-no porque vivem dele”. Para o dogma neoliberal, resulta inconcebível apostar nalgo que nom dea imediato valor monetário, e mesmo se se considera a promoçom do património e da paisagem, é por darem frutos económicos através do turismo, quantificáveis no PIB e cacarejados na propaganda eleitoral.
Ainda há um outro obstáculo que o sentido comum dominante coloca a qualquer aposta substancialmente diferente: a lentitude. Se os planos de plurifuncionalidade agro-florestal falam de lucros, estes som estratégicos, de médio longo-prazo, por vezes transgeracionais. Inspiram-se na velha inquedança ecologista do mundo que deixamos aos nossos filhos, e portanto batem de frente com a lógica imediatista que, desde o mundo empresarial e político, desceu ao conjunto da sociedade, para desacougá-la com a sua pressa contínua. Ademais, as e os activistas comunitários polo monte nom som quem de gerarem grandes manchetes de imprensa: o seu trabalho é silencioso, e acontece polo geral longe dos grandes focos informativos generados pola urbe.
Eis a razom fundamental de que algumhas das iniciativas mais meritórias e prometedoras polo monte se desenvolvam na Galiza ante a ignoráncia das maiorias sociais. Quem elaborar umha escolma dos projectos mais significados nesta direcçom teria que deter-se, por exemplo, no bosque recuperado de Ridimoas. Lá, na comarca do Ribeiro, mais de mil pessoas associadas e com um sistema de quotas, fixérom possível a recuperaçom da biodiversidade em 6000 m² de monte num trabalho sostido desde 1976, oferecendo para flora e fauna autóctones um espaço livre de ameaça, e sem outra pretensom que favorecer a existência de vida, o desfrute e o conhecimento da terra. E frente ao interesseiro dilema que a oficialidade coloca entre protecçom do meio e futuro laboral, em adiante.gal também nos temos feito eco do papel que várias iniciativas de gadaria ovina e caprina sostível jogam na conservaçom dum monte limpo, livre da ameaça incendiária: a cooperativa Pouso da Serra, no Morraço, formula-se com esta intençom de assentar o modelo de “cabras bombeiras”, provado já com sucesso em Leom e Castela.
Tiver intençom recriativa, económica ou reivindicativa, e apesar do descentralizado, diverso e disperso dos projectos a volta à preocupaçom comunitária sempre dá um grande alento a este tecido associativo. Precisamente esta dimensom grupal é umha das ideias força das exitosas Brigadas Deseucaliptizadoras, que, nascidas ao abeiro da associaçom ambientalista Verdegaia, contribuírom já para a restauraçom de montes incendiados ou empobrecidos polo monocultivo nos últimos meses. As suas jornadas de trabalho -jeiras ou rogas– nom pretendem apenas recuperar espaços para a biodiversidade, senom recuperar as velhas tradiçons da laboura colectiva e ajuda mútua, vigentes até nom há muito no nosso agro. Os albaroques ou jantares de convívio premiam o esforço e recuperam a alegria colectiva perdida nos nossos trabalhos actuais, mais individualistas e despersonalizados.
Em tempos republicanos, quando os engenheiros florestais de raiz regeneracionista desenhárom as primeiras teorias repovoadoras, enxergando a aliança entre bosque e indústria, os clássicos galeguistas viram-se seduzidos pola ideia. Pensárom nuns montes produtivos e orientados à indústria papeleira, mas na sua modesta formulaçom nunca concebêrom o pesadelo dum deserto verde desabitado e empobrecido por monoculturas. Criaram-se num mundo que ainda conhecia os usos produtivos e medicinais de cada espécie; que atesourava umha rica tradiçom oral dedicada a árvores senlheiras, e que certamente lembraria como, em muitas paróquias, a árvore era um emblema respeitado, pois baixo um carvalho, um teixo ou umha encinheira tomava as suas decisons o concelho aberto das nossas esquecidas democracias paroquiais. Para Castelao, militante e homem prático ao que nom podemos adjudicar nenhuma divagaçom improdutiva, “a árvore é o símbolo do senhorio espiritual da Galiza (…) um engado dos olhos, pola sua fermosura; umha ledice dos ouvidos, porque nele cantam os paxaros ; um arrolador do espírito, porque nas suas polas conta contos o vento”.
As palavras transmitem um conhecimento e veneraçom maiormente ausentes no nosso apressado cómputo industrial. Recuperar este respeito abriria certamente muito caminho para recuperar, quanto menos, parte do perdido.
#Lumes
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