"Continuarmos no discurso do laio e do atraso é inútil e falta ao rigor histórico"
ENTREVISTA | Xabier Buxeiro Alonso
Antom Santos | Lugo | 8 de novembro. Xabier Buxeiro é investigador pre-doutoral na Faculdade de História da USC. Adentra-se já na etapa final da sua redacçom de tese sobre os vitimários na Galiza de 1936. Compaginou em toda a sua juventude o estudo e a pesquisa com o compromisso na esquerda independentista, e com ele falamos devagar o genocídio na Galiza. Também conversamos sobre relato e compromisso, rigor e paixom, tentando descobrir que pode achegar a historiografia ao nosso futuro colectivo.
És um historiador profissional, já que investigas com apoio dum contrato de investigaçom predoutoral contratado polo Ministério de Educaçom, e colaboras em tarefas docentes. Mas segundo tes dito, a tua entrada na história é um bocado azarosa.
Tenho recordos já infantis da história, si, mas a minha trajectória académica e profissional ainda deu umhas quantas voltas. Se me remonto no tempo, lembro de passar horas e horas com umha colecçom inteira de livros infantis de história da Galiza. Também de falar com a minha mae, que é bióloga de profissom, mas que sempre valorizou a história. Quando me tocou por decantar o meu futuro, porém, já nom foi tam singelo. Depois de estar a piques de entrar em Medicina (nom me colheram por umha décima) ingressei em Odontologia, onde passei dous anos. Empezo a carreira de História, em 2011. E já nesta faculdade, em 2011, matriculo-me numha disciplina chamada ‘Guerra e violência no século XX’, impartida por Antonio Miguez. E aí topo-me com temas, com problemáticas teóricas, que na realidade som as que me estou a topar na militáncia política, mas neste caso dumha óptica académica. E claro, isto capta o meu interesse enormemente. Também resultou ser um desafio, pois muitas certezas abanam. Por umha parte tens as teses que tu trazes da tua bagagem militante, e por outra as historiográficas, académicas, que nom som as mesmas, que dam outra óptica sobre a luita de classes, sobre a questom nacional… e aí um tem que topar umha síntese satisfatória. Claro, para fazer isso, para chegar a esse nível de reflexom, a história profissional é o melhor caminho. Porque existe umha história amadora, que interessa a tanta gente, mas nom permite o tempo e os recursos para dedicar-se a umha reflexom tam longa e tam profunda.
Dessa vocaçom descoberta passas, ao rematar a tua carreira, ao estudo dos perpetradores da violência em 1936. Que está a descobrir neste século a historiografia galega?
O tema é dumha enorme releváncia. Porque ao estudar os perpetradores estamos a estudar a sociedade inteira. Estamos a descobrir se eles eram muitos ou poucos, que penetraçom social tinham… e portanto como era a própria sociedade galega da altura, que conflitividade apresentava. A questom é ampla e cumpre responder várias perguntas. Nós estudamos todos os implicados, desde os perpetradores directos, até os que realizam conduçom de presos, como os responsáveis das prisons, os que fam declaraçons judiciais, e obviamente os próprios os vitimários. Acho que podemos desmentir esse discurso do “todos somos culpáveis”, desde que realmente, os implicados na repressom som bem poucos, um número escasso que participa dos seus diferentes níveis, desde a acusaçom, a detençom, até a cadeia ou a morte. É este núcleo o que se encarrega de varrer a oposiçom frontal ao Regime. Fora disso, pode haver silêncio, pode haver inibiçom, mas isso nom supom nem muito menos que haja consentimento. Este é um tema que tem estudado Ana Cabana, entre outros.
Quem som os perpetradores?
Os mais deles som as novas autoridades golpistas, comandantes militares, mandos dos quartéis da guarda civil, e chéfias locais da Falange. No ámbito político, ainda está em debate, e ainda por esclarecer, se se trata de velhas elites, que procedem de atrás, ou som elites renovadas. Neste apartado específico ainda nom investiguei e nom podo apontar umha conclusom. Mas para entendermos a resposta social temos que ter umha cousa em mente: o acontecido daquela racha por completo com os modelos e ritmos que tinham acontecido na Galiza e na Espanha nas décadas anteriores. Porque houvera muitos pronunciamentos militares no século XIX, por exemplo, mas saldavam-se de maneira distinta. Se venciam, depunham o governo, e se eram derrotados, rematavam com o fusilamento dos dirigentes. Mas jamais passara umha cousa assim, jamais. E por isso o comportamento da gente foi como foi: tanto militantes como base social comportárom-se como se teriam comportado antes. Nem aguardavam esse nível de violência, nem pensavam que pessoas que apenas se significaram polo seu compromisso associativo iam ter essa sorte. Os mais dos executados judicialmente som-no por terem requisado armas (que era legal, fazia-se em base à Lei da Defesa da República), por terem organizado partidas para deter o golpe, por fazer parte de sindicatos… em qualquer caso, dinâmicas que a maioria da sociedade entende como perfeitamente legítimas e normais.
Que tópicos superárom as investigaçons sobre o genocídio dos últimos anos?
Um primeiro tópico que existe nom se desmontou nos últimos anos, senom muito antes, mas cito-o, porque continua a ter enorme peso… Que diria a gente se se lhe perguntasse quais fôrom os resultados eleitorais de 1936 na Galiza? Pois muita gente fica surprendida quando se lhe diz que em três das quatro províncias (agás Ourense), a Frente Popular venceu. Foi um indicativo, eleitoral, dumha dinámica social que temos esquecido. E polo feito de dar-se essa dinámica social, com motivo do golpe, há tentativas de resistência em todo o território. E surprende que estas tentativas nom sejam exclusivamente urbanas. Eu, neste momento, estou a mergulhar em arquivos da Marinha, e é chamativo ver a dimensom resistente que se dá em Viveiro, que se dá em Ribadeu. Partindo desta realidade, podemos tentar interpretar por que se dá esta defesa tam firme. Esta gente defendia a República, defendia a democracia, quiçá nom exactamente nas chaves que lhe damos hoje em dia… mas sem dúvida faziam-no afincados em fortes lealdades de classe, vizinhais, associativas. Pensemos que, sem ser umha sociedade inteiramente rural, estava ainda muito ruralizada, e deviam contar enormemente as redes sociais forjadas ao longo de muito tempo. A isto somam-se tradiçons associativas sindicais, a existência das casas do povo, dos casinos republicanos… no fundo, todo isto emenda a imagem da Galiza como terra paralisada e vítima do domínio caciquil.
“Acho que podemos desmentir esse discurso do ‘todos somos culpáveis’, desde que realmente, os implicados na repressom som bem poucos, um número escasso que participa dos seus diferentes níveis, desde a acusaçom, a detençom, até a cadeia ou a morte.”
Outra ideia muito assentada diz que as autoridades republicanas na Galiza fôrom lentas e tímidas na hora de parar o golpe. É isso certo?
A grandes traços nom é certo. O golpe dá-se na Galiza em 20 de julho, nom o 18, e isto apanha por surpresa as autoridades. Por que razom? Porque estas, ao transcorrerem dous dias desde que estoupa a rebeliom militar, o que acham é que aqui o mando permanece fiel à República, e por isso nom se movem. Logo, o que explica a rápida queda da Galiza em maos golpistas nom é o papel das autoridades civis, senom das militares. O feito de passarem-se quase em bloco ao bando contrário si que foi determinante. Mesmo zonas historicamente rebeldes do Estado, com um forte sindicalismo combativo, caírom em maos sublevadas por mor da tomada de posiçom do exército. Tomemos o caso de Zaragoza, por exemplo, um feudo da CNT que os franquistas tomam aginha. Entom, que fam as autoridades da República? O que se espera que fagam as autoridades dum Estado democrático: activam a Lei de Defesa da República, que claro, é garantista. E ao ser garantista, impede precisamente a brutalidade, e impede que a orde pública deixe de existir ou se corrompa.
Foi a classe obreira o principal objectivo dos golpistas?
A maioria de vítimas dos golpistas procedem da classe obreira, ou por extensom da classe trabalhadora, e claro, isso é compreensível, desde que representam a maioria absoluta da populaçom, e aliás nutrem as organizaçons sindicais. Mas o que demonstra a pesquisa recente é que umha proporçom importantíssima das vítimas procedem das classes médias e das profissons liberais. Proprietários de comércios, médicos, advogados, professores, trabalhadores com alto nível de qualificaçom e ingressos… este sector representa umha terceira parte dos assassinados.
E qual é a razom?
Os golpistas atacam o poder, e este é precisamente o sector que na altura tem o poder. Daí a dureza com a que se lançam contra eles. O mesmo acontece com polícias e militares leais à República, nom há nem a mínima compaixom. Que há mais de direitas que a orde? E que há mais ordeiro que um polícia ou militar? Estas pessoas nom eram esquerdistas, é claro, simplesmente cumprírom o seu dever de apoiar a autoridade instituída. Como diz o professor Miguel Cabo, seguiam a tradiçom de cem anos de liberalismo. Os exemplos abundam: em Ribadeu, por exemplo, os carabineiros, umha espécie de polícia local da época, nutrem o Comité de Defesa da República, e em Ferrol, o comandante Azarola opom-se ao golpe. Em síntese, que nos diz isto todo? Que o conflito nom se livrou em exclusiva entre extrema direita e esquerda revolucionária, senom que derivou dum golpe contra um Estado democrático, anulando todas as regras de jogo e toda umha tradiçom política. E por isso, além do movimento obreiro, levou por diante sectores que nom eram em absoluto revolucionários.
“O conflito nom se livrou em exclusiva entre extrema direita e esquerda revolucionária, senom que derivou dum golpe contra um Estado democrático, anulando todas as regras de jogo e toda umha tradiçom política. E por isso, além do movimento obreiro, levou por diante sectores que nom eram em absoluto revolucionários.”
Esta revisom, contra o tópico, leva a umha velha pergunta de historiadores militantes. Como combinar pesquisa e compromisso?
A implicaçom política resta-nos objectividade, ou pola contra é um activo que enriquece a investigaçom? Para mim ambas as fasquias som inseparáveis. Nom sei se as pode arredar, sei lá, um cientista puro, por exemplo um matemático, mas quem pratica as ciências sociais, obviamente nom pode. Eu, de partida, desminto a pretensom de total objectividade. Porque os nossos valores prévios determinam o tema escolhido e a focagem com que o abordamos. Dito isto, ponho em causa as abordagens superficiais, por vezes presentes no meio político: um tipo de achega que procura apenas confirmar as nossas crenças prévias, os nossos prejuízos. Nom, nom devemos trabalhar assim. Cumpre levar em conta, também e especialmente, aqueles dados que desmentem as nossas teses, para depois integrá-las num discurso mais sólido. Levemos em conta umha cousa: nom temos o poder, e portanto é importantíssimo ter razom. A razom constrói-se defendendo a verdade, porque se apoiamos o nosso discurso e argumentos pouco sólidos, em dados nom comprováveis, aginha vam chegar os intelectuais do Estado a deitar todo por terra. Portanto, cumpre fundamentar, cumpre estarmos certos do que dizemos, e nesse sentido seguir aquela frase leninista: a verdade é sempre revolucionária. Acontece entom que nos topamos no estudo histórico com dados que rebatem posicionamentos nossos anteriores, mas nom é um problema. Integremo-los no nosso discurso. Por exemplo, que a guerra civil nom se pode restringir em exclusiva à luita de classes? Nom, nom se pode, mas isso nom tira nem umha grama de razom às nossas conviçons anticapitalistas. Ou por citar outro caso: que os séculos escuros’ nom fôrom tam escuros como se dizia, e que a Galiza tinha o seu peso? Pois podemos aceitar isto, é certo, e nem por isso retrocedemos na nossa posiçom independentista.
A história foi ferramenta fundamental no labor nacionalizador, quer para os Estados, quer para movimentos emancipadores. Continua a ser tam importante para a nossa causa esta disciplina, como foi em tempos de Murguia?
Continua a ser fundamental, bem que puideram mudar certos matizes desde tempos de Murguia. Reparemos no argumento essencial da direita espanhola contra nós: ‘olhem, as suas ideias podem ser certas, nom estám teoricamente mal, som umha naçom, mas na prática nom valem nada. Porque por muita naçom que forem, o futuro é viver da atençom externa e do Estado’. Pois já se sabe, moramos num país atávico, de direitas, pobre, e se as cousas fôrom como fôrom, nom se podem modificar. Há que gerir o que temos o melhor possível. Para fazer mais compreensível esta linha argumental dou sempre o exemplo da visom dos turistas espanhóis, nomeadamente nas vilas costeiras: ‘nom nos respeitam, que pouco nos entendem, desprezam a nossa língua, mas a calar, que som eles quem deixam os quartinhos’. O nosso discurso histórico, hoje, em pleno século XXI, pode dizer umha outra cousa: a Galiza nom foi pobre, nem submissa; à Galiza nom lhe foi tam mal (ainda movendo-se, obviamente, em modelos sociais e económicos do passado que nom som os que defendemos hoje). Este potencial galego foi gorado na contemporaneidade em todas as ordes, nom tivo porque ter sido assim, e é rectificável. Claro que para isso nom podemos pensar em chaves de laio nem estar sempre a recriar-nos num atraso que nom é rigoroso em termos históricos. Lembremos a Branhas, que falava, no seu hino, dos “povos ceives, dos povos grandes”. E essa consciência, ainda que nos pareça o contrário, nom desapareceu. Cito amiúdo como exemplo a Festa do Pendom, que se celebra cada ano na Marinha. Lá, a paróquia celebra a expulsom dos franceses no século XIX. Quando o nosso povo, sozinho, guiado polas suas elites, obviamente, expulsou o exército mais poderoso da Europa (antes mesmo de este ser derrotado na Rússia). E a gente agrupa-se por volta dum pendom para mostrar este orgulho. Mas que pendom? A bandeira rojigualda. Esqueçamo-nos por um momento das cores, e reparemos no que representa de fundo: a fachenda dum país polas suas façanhas. Em síntese, que podemos dar resposta a muitas preocupaçons do presente com perguntas do passado: queremos progressar, pois demonstremos que o nosso povo progressou no seu momento; se queremos reivindicar, resistir, temos provas abondo de que a Galiza protagonizou episódios mui importantes no passado. E contra todos os tópicos, essas ideias com pouco fundamento de que “nom nos pode ir bem sozinhos”, acho que a história ajuda a demonstrar que temos potencial abondo para que nos vaia bem.
O entrevistado
Xabier Buxeiro Alonso
Rinlo-Ribadeo, 1990. Graduado em História e Máster Interuniversitário em História Contemporánea. No ano 2017 concedêron-lhe os prêmios extraordinários do Grao em História (USC) e o Prémio Fim de Carreira da Comunidade Autónoma de Galicia. Na atualidade cursa o Doutoramento em História Contemporánea e trabalha como investigador contratado (predoutoral FPU) no Departamenteo de História da Universidade de Santiago de Compostela (USC). As suas linhas de investigaçom centram-se no estudo da violência golpista de 1936 no Estado espanhol, assim como as atitudes sociais nesse contexto. Entre as suas publicaçons destacam “Os verdugos e a sociedade. A violencia sublevada en Ribadeo (1936-1941)” en Golpistas e verdugos de 1936. Historia dun pasado incómodo, editado por FERNÁNDEZ PRIETO, Lourenzo y MÍGUEZ MACHO, Antonio, 181-226. (Vigo, Galaxia, 2018); e “Paseos, execucións e outros asasinatos. A organización e posta en marcha da maquinaria de exterminio golpista en Galiza” em Estado de excepción y terrorismo de Estado, editado por CAÑÓN, Lisandro e ROMÁN, César Manuel, 111-137. (Córdoba, Lago Editora, 2020).
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Xabier Buxeiro Alonso
Rinlo-Ribadeo, 1990. Graduado em História e Máster Interuniversitário em História Contemporánea. No ano 2017 concedêron-lhe os prêmios extraordinários do Grao em História (USC) e o Prémio Fim de Carreira da Comunidade Autónoma de Galicia. Na atualidade cursa o Doutoramento em História Contemporánea e trabalha como investigador contratado (predoutoral FPU) no Departamenteo de História da Universidade de Santiago de Compostela (USC). As suas linhas de investigaçom centram-se no estudo da violência golpista de 1936 no Estado espanhol, assim como as atitudes sociais nesse contexto. Entre as suas publicaçons destacam “Os verdugos e a sociedade. A violencia sublevada en Ribadeo (1936-1941)” en Golpistas e verdugos de 1936. Historia dun pasado incómodo, editado por FERNÁNDEZ PRIETO, Lourenzo y MÍGUEZ MACHO, Antonio, 181-226. (Vigo, Galaxia, 2018); e “Paseos, execucións e outros asasinatos. A organización e posta en marcha da maquinaria de exterminio golpista en Galiza” em Estado de excepción y terrorismo de Estado, editado por CAÑÓN, Lisandro e ROMÁN, César Manuel, 111-137. (Córdoba, Lago Editora, 2020).
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Un artigo que reconforta na súa lectura e ilustra unha visión coido que axeitada para enfocar a realidade presente.